quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Diabulimia

O dado é que 30% das diabéticas tipo 1 em algum momento desde o diagnóstico da doença vão apresentar sintomas de Diabulimia. Acredito que este índice seja bem maior, apenas não é conhecido e divulgado. Ainda existem profissionais, e não são poucos, que nem sequer conhecem qualquer coisa sobre o assunto. As doentes (adoro esta definição) devem apresentar os sintomas, sofrer caladas e talvez algumas tenham passado a vida sem saber do que se tratava ou que outras diabéticas também apresentavam o mesmo distúrbio. Meninas que não são diabéticas quando apresentam algum distúrbio alimentar utilizam como descarte o vômito, diuréticos, laxantes. São estas as formas de excreção que as escravas da magreza utilizam para manter o corpo fininho, magro, desidratado, enfim com aparência de modelo. A diabética tem outro mecanismo em mãos, sempre que a glicose altera e fica bastante alta, a célula já sem energia, sem açúcar (pois está todo na corrente sanguínea), começa a quebrar as moléculas de gordura do corpo para reverter em energia, isto, é claro, proporciona um emagrecimento rápido, passando primeiro por uma desidratação severa na tentativa do corpo de eliminar a glicose excedente pela urina. O fato é que sempre que a glicose sobe, emagrece. Isto é uma arma na mão de qualquer adolescente ou jovens mulheres, em busca da magreza e o peso mínimo ideal. Imaginem, quanto mais se come, mais emagrece. A fórmula é esta , come , sobe a glicose e fica bem magrinha. Só que a diabética não precisa vomitar, tomar diuréticos ou laxantes, a forma de excreção é a descompensação da glicose. Pode-se comer demais, ou simplesmente não aplicar insulina. Ainda tem a neura de que a insulina incha e por isso deixam de aplicá-la de propósito. É claro que na tentativa de normalizar a glicose, o corpo com a carga de insulina, volta ao volume hídrico normal e a cidadã neurótica acha que engordou e volta a descompensar a glicose novamente, isto se torna um círculo vicioso onde não conseguimos sair, as crises de compulsão alimentar se instalam, até pela fome causada pela hiperglicemia, as internações pela cetoacidose, as mentiras, de dizer que não sabem por que isto está ocorrendo, o comportamento é semelhante ao de drogado ou alcoolista, procura-se doces para ingerir escondido, coloca-se fora as doses de insulina, disfarça para não fazer o teste, fingem hipoglicemia para comer guloseimas, fazer muito xixi causa um prazer, é como ver toda gordura deixando teu corpo, só se para quando o hálito começa a ficar ácido, a fraqueza exagerada, a pele murcha e flácida pela desidratação, o sono já é incontrolável, como prenúncio de coma. Então se faz um pouco de insulina, é uma trégua, só pra enganar o organismo e voltar um pouco das forças, nada que vá devolver os kilinhos perdidos. E começa tudo outra vez, apetite já não é mais imenso, a acidose causa um enjôo horroroso. Mas aparentemente tudo está perfeito. Você está magra e linda ! Sem nenhuma disposição, seca por dentro e com candidíase, mas muito magra e isto basta. Isto se arrasta por anos até que os órgão que estão ali sendo silenciosamente corroídos começam a gritar e as complicações já são definitivas e irreversíveis, mas mesmo os rins avisando que vão parar, os olhos falhando vertendo sangue de tanto derrame na retina, nada consegue fazer parar ou voltar a si a consciência de que está morrendo aos poucos, a quem diga: “Mas eu vou morrer magra”. Claro, doce ilusão, vai estar inchada como um pacu por causa dos rins, com o braço calibrado da hemodiálise, a uretra destruída da sondagem, cega de um olho e do outro enxergando borrado, sem o controle do esfíncter pela polineuropatia, sem uma das pernas pela gangrena, as mãos já sem segurar nada, pois seus dedos estão como garras só que sem forças, o intestino e estômago não respondem mais, e fazendo algumas sessões de fisioterapia para recuperação de um AVC que vc teve aos 32 anos. Nesta altura do campeonato você estará magra, definitivamente magra querendo voltar 10 ou 15 anos atrás, e são só 10, não precisa muito mais que isso para provocar este estrago agindo assim e não buscando ajuda. Este problema é sério, não é muito conhecido, e precisa ser alertado e tratado com a devida importância.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Jogos Mortais

As vezes tenho a plena ilusão de estar participando de mais uma edição de jogos mortais, e cada dia de vida é como se estivesse sendo testada para ver até onde o corpo agüenta, desafiada a ver quanto a cabeça e o organismo suporta. Acho que nem o diretor mais sórdido de Holywood é capaz de pensar em torturas tão sutis e cruéis. Começam lentamente e se propagam devagar, vão destruindo silenciosamente de mansinho, deixam que se acostume com dores suportáveis e depois te alucinam sem te deixar viver. Comigo começaram lesionando a retina, manchando a visão, um dia te deixam ver, no outro não, então começam com a aplicação de laser para proteger a retina do sangramento, estancam a hemorragia, mas perde-se a visão periférica, laser de vez em quando tudo bem mas a cada 15 dias é cruel, chato, e começar a enxergar como num tubo, um túnel com escuridão nas laterais é um objeto de tortura. Os pés começam com uma dormência nos dedos, vão queimando como fogo e os choques beiram o insuportável, depois perde-se a sensibilidade de todo pé, não queimam mais , inclusive nos queimamos sem querer, mas os choques já vem até quase os joelhos, o caminhar é estranho, correr nem pensar, é como se estivesse de pernas de pau, mas que dão choques, dançar já não se pode, salto alto é um desastre e chinelos também não posso usar por que como os dedos não seguram, eles escapam e voam dos pés, as vezes o que era insensível vira ultra sensível e pareço estar caminhando em pregos, e é difícil colocar os pés no chão.Depois vem as mãos que começam da mesma forma, uma dormência nos dedos, queimam também, os choques vão até os cotovelos, os dedos encurtam, ficando como garras, deixo cair as coisas, perco a força e a coordenação fina é uma merda, é o túnel do carpo e na palma das mãos cada dia um caroço novo. Agora vem a bexiga que já não esvazia totalmente, por mais que eu faça xixi sempre fica um resíduo causando infecções de repetição, então o jogo é fazer sondagem para retirar o resíduo, e lá vamos nós colocar a sonda 6 vezes por dia, as 3 primeiras do dia são barbada mas as duas ultimas entram como agulhas de tricô no canal da uretra, fora que com a introdução dos malditos caninhos tem vezes que chega a ter 2 bactérias diferentes ao mesmo tempo na bexiga, mas antibióticos, os exames para detectar este problema foram uma sessão de tortura chinesa a parte, fazer xixi na frente do doutor com duas sondas no canal de uretra, um balão no reto e alguns choques para lavar a alma do torturador. Agora para completar os jogos de morte, a hipotensão postural, sempre que levanto a pressão despenca e chega a 5 X 3 ocasionando algumas quedas e desmaios, primeiro não sustento a cabeça, dói o pescoço e depois não consigo sustentar o tronco e preciso imediatamente sentar , baixar como preto velho e o corcunda, ou deixar despencar mesmo. Isso as vezes me custa ficar horas sentada ou deitada. Por último por causa de uma otite, fiquei com uma perda auditiva definitiva. A tal da gastroparesia faz com que tudo que eu coma fique parado no estômago por horas causando enjôo e vômitos constantes. No período menstrual viro literalmente zumbi ando como morta viva, a glicose vai a 769 (esta foi no ultimo exame neste período), a pressão abaixo de 5 X 3 (pois o aparelho nem consegue marcar) e torço para não ter outro AVC ou uma cetoacidose. Estes tem sido meus lindos dias cada um participando de um tipo de tortura ficando cega aos poucos, surda aos poucos, aleijada aos poucos, deve ter um oficial do Hitler ou da ditadura por trás, esse jogo é massacrante e cruel , e não tem um dia que eu deixe de jogar, eu quis medir força e perdi, perdi feio , não se pode competir querer ganhar, fazer acordos e se adaptar é sempre melhor. As pessoas não fazem idéia do que é um esforço diário para continuar sobrevivendo, é tudo lento, gradual, irritante, as vezes nos vêem como preguiçosas, temos que cuidar da família, lembrar das coisas manter o ritmo, tentar não ser estorvo, um peso, tiramos a felicidade dos que convivem conosco, nos sentimos inquilinos na nossa vida. Tenho que ter o direito de escolher se quero viver assim ou se desta forma eu não quero. Eu escolhi viver mas posso escolher não querer viver assim, e isto não tem a ver com depressão, não é querer suicídio nem estar depressiva, racionalmente é simplesmente ter o livre arbítrio para não querer sobreviver. Não vou causar mais dores nos outros que dependem de mim , mas chega uma hora em que todos sofrem em ver o sofrimento e não poder fazer nada. Não se pode condenar as pessoas a sofrer com a gente estas mazelas. Mas enfim o jogo é este, e nesta competição estou perdendo, já bati três vezes , já joguei a toalha. Isto não quer dizer que tenha desistido de viver , isto não “EU ESCOLHI VIVER “ mas cansei de lutar, vou viver como quiser e me fizer bem. Hoje o post foi meio revoltado... Faz parte ninguém passa a vida sem ter raiva em alguns momentos...

sábado, 29 de novembro de 2014

Eu escolhi Viver !

É complicado quando se tem um diagnóstico de doença seja ela qual for, principalmente se for na sua infância ou juventude, com a doença se perde, é claro, um pouco da saúde, e nestas fases da vive não estamos acostumados com outra realidade se não a de energia sobrando, pressa de viver, e tudo , mas tudo mesmo, muito intenso. Minha adolescência não foi diferente, tudo pra mim era intenso, e tudo era muito. Tinha muitos amigos, muitos amores , muita fome, muitas festas, eu vivia tudo intensamente, me entregava aos amigos, muitas risadas, baladas, adorava encher a casa, adorava gente muita gente na minha volta, e como era muito alegre sempre fazia amigos onde chegava, não demorando muito a liderar o grupo. O diagnóstico de uma doença grave , crônica e com tratamento delicado, podendo gerar graves complicações a médio e longo prazo me faria escolher entre dois caminhos: Iniciar uma vida disciplinada, com horários severos para medicação alimentação balanceada e em horários fixos e certos, exames periódicos e muitos e diferentes especialistas um para cada área de atuação da doença. Ou fazer uma escolha e com ela uma renúncia a de viver intensamente minha adolescência e arcar com as conseqüências. É claro que existem outras maneiras de levar uma vida bacana e não negligenciar nenhum tratamento, mas estes foram os únicos caminhos que enxerguei. Num primeiro momento escolhi assumir e tratar a doença, tratei só a doença , não tratei de mim, fui a todos os médicos , fiz todos os exames , as perspectivas eram péssimas , as consultas assustadoras os exames muito ruins, as injeções não me incomodavam mas as hipoglicemias eram insuportáveis, as consultas foram aumentando , o oftalmo avisava da cegueira, o nefro da hemodiálise, o cardiologista dos infartos, o neuro dos possíveis AVC’s. Comecei a adoecer meu espírito alegre e me deu vontade de voltar a ser o que eu era, a voltar a amar a vida, as pessoas achavam que largar o tratamento era escolher a morte, mas eu queria voltar a viver, a sorrir, a dançar,a comer também é claro, então a intensidade voltou, fui muito feliz mas escolhi negar a doença e comecei minha queda de braço com quem nunca perde, brigar com a doença é causa perdida, ela suga nossas forças e nos leva pro tatame. Não fiz nada que todo jovem jamais deve ser privado de viver, só que não soube nunca o meio termo ou o limite das coisas eu adorava dançar, balada barzinho , risada , conversa fora, trabalhar de virada, nesta idade o corpo não cansa, nunca fui dada a vícios, sempre tive respeito pelas drogas e do que elas causam, nunca usei cocaína nem ácidos, êxtase ou estas balinhas, bebida sempre fui fraca então fui responsável por algumas bebedeiras, fumei de idiota , só a noite na balada por que achava que o clima pedia, depois chegava em casa e tomava banho odiando aquele cheiro horrível. Maconha tinha a vibe de natural só deu sono e fome, parou por ali, meu rivotril fazia um efeito melhor e jamais me traria problemas pois era lícito, nunca fiz coisas que poderiam envergonhar ou causar problemas para minha família, nem sou adepta de que o que é proibido é mais gostoso, acho que o gostoso é o que te faz bem e não me faz bem magoar os outros. Na minha cabeça não tinha como ser doente e viver a vida nem eu achava que uma boa noite de sono ao invés de risadas com a gurias seria parte do tratamento. Depois veio o segundo diagnóstico o Lupus em meio a complicações já instaladas do diabetes, bom aí vem cansaço, dor nas juntas, desmaios, nada de sol,dias com dor, tratamento complicado, mais uma vez a renúncia à vida me chama novamente, continuo assim, uns dias ruins outros nem tanto, mas ainda tinha os amigos, as festas, os parques a praia, talvez, continuei vivendo antes de me jogar outra vez na doença. Não por muito tempo vieram as lesões, perdi quase todo cabelo, abandonei a praia, o clube, cordicóides destruíam a glicose, fomos para quimioterapia, não contei pra ninguém, era ruim , enjôo, e melhora nos sintomas, na qualidade de vida não tive nenhuma. Mais uma vez escolhi viver, encerrei as sessões, voltei para o reuquinol e sem largar a medicação de base, resolvi amar minha vida com as limitações mas sem o contexto doentio das consultas exames e especialistas. Agora tenho que escolher mais uma vez se escolho outra vez viver.